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AULA DE VIOLÃO

 

No início da tarde de uma terça-feira, realizamos mais uma de nossas inserções, no meio do estacionamento do campus central da UFRGS. Era uma aula de violão. Quando encontrei o professor – um estudante do Instituto de Artes – e a sua aluna, ele me disse: “depois que tu me fez a proposta eu fiquei pensando… violão não é algo muito incomum, talvez outro instrumento fosse mais estranho…”. Depois de alguns minutos da aula essa frase não mais se justificou. O instrumento não era tão desconhecido às pessoas, mas a situação parecia ser: poucos eram os que não viravam a cabeça ao passar por ali para olhar os dois tocando. A verdade é que ninguém fica ali, habitualmente, sentado nos canteiros no meio do estacionamento. É um lugar de passagem, efetivamente ocupado apenas por carros e algumas poucas árvores. A aula parece ter causado, inclusive, um desconforto para alguns motoristas, que hesitavam em estacionar nas vagas mais próximas do canteiro – ao final da aula, elas ainda permaneciam vazias. Até mesmo eu e outra colega, que havíamos sentado num canteiro próximo para observar, acabamos por nos tornar parte da inserção, pois vários passantes também nos observavam com alguma curiosidade ou estranheza, embora estivéssemos apenas lendo algum livro, aparentemente.

 

Um grupo de músicos que passaram por ali riram e fizeram comentários para o professor (alguns o conheciam) com certa graça. Uma mulher ficou um tanto quanto atônita com a cena dos dois tocando (um mero exercício de aula, em volume relativamente baixo, diga-se de passagem), pois sem saber bem o que dizer depois de ter interrompido brevemente o seu caminho, soltou um confuso “parabéns!”.

 

 Outra pessoa não ficou atônita: um senhor que tomava um atalho através da UFRGS para a Santa Casa parou dizendo: “Eu ouvi o sabiá cantando hoje de manhã e lembrei que tinha que trocar as cordas do meu violão. Agora vi vocês aqui.” As cordas novas estavam na sacolinha que carregava, junto com um livrinho de letras de música. Pedindo licença, tomou o violão nas mãos, ainda de pé, e improvisou uma música cantada. Ensinou que o ritmo se chamava chamarrita, que “a gente toca pra ir dando embalo…”, e contou que já havia escrito mais de 200 músicas do nativismo. Participara de muitos festivais; disse que a música podia levar as pessoas para lugares que elas nem imaginavam… “A música, ah, isso é um dom né, que vem já na barriga da nossa mãe”.

 

O deslocamento de algo que em muitos lugares dentro do campus poderia ser tão corriqueiro – duas pessoas tocando violão – naquele local acabou por gerar uma sutil comoção. Um encontro prazeroso para alguns, estranho para outros, mas de alguma maneira aparentando estar fora de lugar, num lugar a que deveria, na nossa concepção, normalmente pertencer. São os carros, porém, que pertencem ao estacionamento, e a este é que se dá lugar dentro do campus. Não se pode mais ter prédios de aula sem estacionamento, eles dizem. Não se pode mais ter universidade sem vida, nós dizemos.

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