PADARIA – POR CLAUDIA ZANATTA
E quando o cheiro de pão não chega a se espalhar no ar?
Ali estávamos nós, quarta-feira pela manhã, levando as extensões, as duas panificadoras domésticas, um forninho elétrico, a farinha, uma mesinha e uma cadeira de armar. Local de trabalho: uma vaga de estacionamento e uma entrada de um banco no Campus Central da UFRGS. Energia para os equipamentos? Uma tomada dentro do banco e outra dentro do Museu ao lado da vaga.
Tudo muito bem, tudo muito bom. Krishna fazendo os pães e colocando-os para assar. Milene e eu a organizar a parte elétrica. Ernesto dando força ajudando com os materiais e fazendo aqui e ali umas fotos. Um pãozinho pronto e algumas pessoas perguntando se podiam pegar uma fatia. Claro, só pegar. Obrigada, e em geral, um sorriso.
Estávamos bem na linda manhã de primavera depois de um longo período de chuvas durante todo o mês de setembro. Esta manhã de dois de outubro estava mesmo bonita.
Mas como toda historinha sempre tem um desmancha-prazeres, lá veio o chefe da segurança do Campus Central: celular na mão e ponto na orelha: Quem são vocês e onde está a autorização para a banca?
Banca? Que banca?
Aquela mesa com o pão em cima.
Aquilo não é uma banca. Não estamos vendendo nada. Estamos fazendo pão e lanchando.
Não importa. É preciso autorização.
Onde está escrito que não se pode estar lanchando aqui?
Não é isto. O problema é que para fazer uma ocupação no espaço do Campus é preciso autorização.
Mas estamos aqui, sentadas, lanchando.
Não posso deixar vocês aí porque estimularia outras pessoas a fazerem o mesmo. Chegar aqui e fazer isso aí que nem sei que nome dar.
O nome disso é pão.
Não importa. Se deixo vocês aí, daqui a pouco vão estar outras pessoas aí vendendo. Dias atrás estiveram aí uns distribuidores doando bíblias e tivemos que retirá-los porque a universidade é laica. Não estavam vendendo, mas não podiam ficar.
Mas não estamos doando nem vendendo nada. Estamos lanchando. O diferente é que não trouxemos o lanche pronto. Estamos fazendo ele aqui mesmo.
Não pode sem permissão. Vejo que estão pegando energia do Museu. Isto é proibido sem autorização.
Mas foi o Museu mesmo quem cedeu a energia.
Ato contínuo, o chefe da segurança entra no Museu e demora bastante a sair. Mas não tanto tempo que permita que um pãozinho fique pronto. Estávamos tendo problemas com o forninho ligado na tomada do banco que não funcionava. Os pãezinhos mesmo assim cresciam sob o calor forte do sol. Finalmente lá sai do Museu o chefe da segurança. Passa por nós e desaparece. Ali seguimos a esperar nossos pães que estavam a se fazer nas panificadoras (que aliás são muito simpáticas: iguais a duas ovelhinhas brancas sacudiam alegremente a massa na vaga do estacionamento). Lá vem de volta o chefe da segurança. Entra no Museu novamente e sai com a diretora do Museu que é uma pessoa bacana e está preocupadíssima com a repercussão que possa ter o fato do empréstimo da tomada para ligar duas panificadoras sem autorização dos órgãos competentes de coisa nenhuma neste Campus que é um grande estacionamento: para onde olhamos, vemos carros. Lero-lero retomado: precisam de autorização. Certo, autorização, mas exatamente para que? Para poder usar as tomadas. Certo, vamos lá buscar a tal autorização. Entramos no Museu. A diretora do Museu pergunta como deve denominar o que estamos fazendo. Chamamos de inserção de arte contemporânea. A diretora faz cara de: Não posso impedir isso seja lá o que for. Se impedir, fico com pecha de impedir inserção contemporânea. Telefona daqui e dali: sim, elas precisam de uma autorização, inserção contemporânea, já estão quase terminando, uns pães, hahã, certo. Desliga o telefone, olha para nós e diz que a autorização só sairia em alguns dias. Depois, pergunta: quanto tempo levaria para terminarmos os pães? Duas horas, mas ok, ficamos com pena da situação dela e decidimos retirar o equipamento da tomada. Resumo da ópera: desligamos os equipamentos, pãezinhos murcham um pouco, mas não tanto, pois imediatamente levamos e ligamos as panificadoras em nossa sala de aula. O aroma do pão começa a se espalhar. Sentamos embaixo de uma árvore para analisar a situação e tomar um suco. Onde foi exatamente que infringimos a lei?