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Conversa com Mônica Nador. Entrevista realizada por Fernanda Lenzi em fevereiro de 2016

O JAMAC – Jardim Miriam Arte Clube

*O Jamac é uma referência para a pesquisa do grupo Cidadania e Arte, especialmente no desenvolvimento do projeto Comunidade Território Ilhota.

 

Mônica Panizza Nador é artista visual, formada pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), São Paulo, em 1983. Recebe em 1999, a Bolsa Vitae de Artes, na área de artes visuais com o projeto Paredes Pinturas. Neste mesmo ano, desenvolve em conjunto com os moradores da Vila Rhodia, em São José dos Campos, São Paulo, o projeto Paredes Pintadas, que consiste na criação de desenhos em máscaras de acetato que são pintados nas casas do bairro. No ano seguinte obtém o título de mestre pela ECA/USP, com a dissertação Paredes Pinturas, sob orientação de Regina Silveira. Mônica foi a idealizadora do JAMAC, de que trata a entrevista.

JAMAC – fundado em 2003 é uma organização sem fins lucrativos, constituída juridicamente como uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), formada por artistas e moradores da comunidade, localizada na periferia sul da cidade de São Paulo. Uma resposta à falta de opções para arte e centros culturais na área. Começou como um estúdio aberto dedicado à população local, onde foram oferecidas oficinas de arte com a intenção de promover uma transformação real na comunidade. A ideia surge a partir do projeto Paredes Pinturas, criado por Mônica Nador. A artista, no decorrer do projeto, muda de endereço e passa a residir no Jardim Miriam.

 

Em nossa conversa, Mônica contou sobre como começou o JAMAC. Fala que não veio sozinha, mas com um grupo de artistas como Fernando Limberger, Lúcia Koch e Marcelo Zocchio. Ela com o projeto do “Paredes Pinturas”, os outros artistas também com outras propostas de arte. Esse início se deu com o que chamavam de “Oficinas de Artes Plásticas”. Depois veio a necessidade de reflexão sobre as práticas, aí começaram a realizar os “cafés filosóficos”, que eram rodas de debate para os quais eram convidados tanto pessoas eruditas do circuito das artes de São Paulo quanto moradores da comunidade. Ela conta que existia muita aderência a esse projeto pelas duas partes, e que a intenção era integrar mesmo, tanto o pensamento do pessoal que estuda artes, filosofia, política, quanto das pessoas da comunidade, que estava experimentando nas oficinas de arte do projeto. O trabalho funcionou desta forma até 2006, quando os outros artistas se retiraram e Mônica assumiu sozinha o comando do JAMAC, segundo ela isso se deu em função de causas políticas, ela queria que o projeto todo fosse do Jardim Miriam, que as reuniões entre os artistas fossem ali, imersos na realidade do lugar para propor ações concretas para o lugar. A questão do lugar sempre foi uma preocupação central no pensamento da artista, tendo sido esta questão a motivação principal para a decisão de ir morar no Jardim Miriam.

 

E porque o lugar era tão importante? A artista comenta que sempre sentiu-se identificada com o trabalho social. Desde os tempos em que estudou arquitetura em São José dos Campos um curso com uma orientação para arquitetura popular. Esse curso foi extinto, em 1976 e com isso ela foi estudar artes plásticas. Tornou-se exímia pintora, reconhecida no circuito das artes, porém nunca identificou-se com o sistema fechado do mundo artístico, o mundo da pintura para os museus, no qual o artista só é validado ao passar pela chancela de um especialista, o que considera uma “operação ideológica”. Ela reflete que, durante o mestrado, descobriu uma nova perspectiva de arte, a partir do pensamento de Douglas Crimp, a quem tributa todo o insigth que teve sobre o seu trabalho no Jamac. Com esse autor Mônica se deparou com discussões como “a morte da pintura”. Relata que ao ler sua definição de que museu vinha da palavra mausoléu, e que então um museu não passava de um grande “túmulo” ela disse “não” à pintura. Ela queria fazer a revolução, então pra ela a pintura se tornou muito pouco. Parou de pintar, em meio a uma carreira promissora, e mergulha em um processo intenso em busca de autoconhecimento. Retorna com um projeto de arte voltado à sociedade. E com isso ela sentiu a necessidade de “chegar no Brasil”. Considera que normalmente o artista vai para a comunidade para fazer uma “presença” e depois vai embora, ela não gostava disso, portanto decidiu mudar-se para o Jardim Miriam. Ela realmente queria ter uma vivência de arte e cultura que fosse além, que ficasse rodeada, criando relações de sociabilidade com a comunidade como um todo.

 

E por que o Jardim Miriam? “Eu fui pra lá pra eu levar pra eles uma outra possibilidade de vida”, diz Miriam. Para ela arte é um meio de estruturação do self, uma espécie de terapia de desenvolvimento humano. Já tinha feito o trabalho Paredes Pinturas em São José dos Campos, que foi também um pouco de herança dos estudos em arquitetura, pois manteve seu interesse em habitação popular. Quando veio para São Paulo a primeira vez, trabalhou em uma ONG no Jardim Miriam mas conta que não foi uma boa experiência como trabalho social. Mas ali ela conheceu a comunidade viu ali que podia surgir algum trabalho de arte para incluir as pessoas.

 

E como foi a sua aproximação com a comunidade, como apresentou e articulou a proposta do JAMAC? Então Mônica cita Mauro, um grande parceiro que encontrou na comunidade. Conta a importância da história social dele, que foi metalúrgico por 30 anos, e que em 20 anos ele fez a graduação em ciências sociais no noturno. Hoje ele é professor de geografia nas redes estadual e municipal de ensino, atuando em escolas no Jardim Miriam. Mônica relata que o conheceu porque tinha amigos que faziam parte de um grupo, que eram de um coletivo de movimentos sociais, e que tinham pessoas espalhadas pelo país inteiro. Quando ela veio pra cá, indicaram a turma do Mauro como contato potencial. Chegando aqui, entrou em contato e conheceu o grupo, que se chama “Núcleo Aparecida Gerônimo”, que é o nome de uma professora, eles também são professores, ou pequenos comerciantes, todos da zona sul de SP. Mauro, hoje com 58 anos, foi preso durante a ditadura militar por sua atuação militante, levou “borrachada” durante manifestações. Acabou virando um militante na área da saúde na comunidade. Mônica menciona que foi muito bem recebida por ele, mas que na verdade ele demorou pra entender qual era a proposta que ela trazia, ele não compreendia a necessidade. Ainda assim, ela diz que só conseguiu ter inserção na comunidade pois tinha sido encaminhada pelo “Coletivo Consulta Popular”, então eles ouviram a proposta, mesmo que ela não fizesse muito sentido inicialmente. Então Mônica passou a frequentar a comunidade, nesse núcleo, e durante aproximadamente 8 meses eles se reuniam semanalmente pra encontrar o Mauro e sua turma na casa dele. Faziam reuniões para mostrar o que ela queria, ela trazia gente, os outros artistas, também para se apresentar e para todos irem se conhecendo. O contato, as conversas eram boas, mas a turma não tinha interesse na minha área de ação, pois, como cita a artista, eles tinham a pegada da saúde. Então, a um certo ponto, chegaram a formular propostas, pois já tinham conversado bastante. Ela perguntou pro Mauro, agora que já a conhecia, o que teria a oferecer a ele. Ele responde que o que eles gostariam é de formação continuada. Com isso Mônica trouxe um professor da FEA /USP (Faculdade de Economia e Administração). Ele deu um curso chamado “A evolução do pensamento econômico dos pré-socráticos até hoje”. O público foi o Mauro e a sua turma dos movimentos sociais da região.

 

Isso abriu as portas da comunidade para o JAMAC? Mônica responde que um tempo depois desse curso, ela viu uma filipeta produzido pelo núcleo Aparecida Gerônimo dizendo assim “Convidamos vocês para conversarmos sobre a saúde no bairro, (…) e para reivindicarmos o centro cultural”. Com brilho nos olhos, a artista pondera que Mauro tinha entendido o projeto.

 

Mauro se tornou um parceiro do projeto? Sim, Mônica disse que aconteceram muito mais coisas. Ele se tornou um grande interlocutor, parceiro propositor dos projetos. Conta que, em 2006, quando fizeram a bienal, entrou dinheiro para um projeto, então ela perguntou o que ele e a comunidade gostariam de realizar. Ele responde “- Você sabe que a gente gosta é de conversar. Eu quero que você faça um simpósio sobre arte contemporânea e periferia”. A Lisette Lagnado, curadora da 27° Bienal de São Paulo entrou na onda e ajudou a acontecer esse simpósio. Outro fato que Mônica conta como “uma coisa linda que aconteceu” foi, em 2015 durante o projeto Paço das Artes”, trabalho que resultou em tantas estampas novas para o Jamac, tanto trabalho, e rendeu ao final, uma conversa, com a curadora Priscila Arantes e o sociólogo Miguel Chaia, que tem na PUC-SP um núcleo de arte política, uma pessoa que desde o começo acompanha de perto a Mônica Nador, e nesse momento descobriram que o Mauro já tinha sido aluno do Miguel. Nessa apresentação o Mauro deu o seguinte relato “- Por falar em cultura, eu quero dizer pra vocês que a minha formação cultural se deu em um terreiro de umbanda”. À isso a artista considera um ponto de celebração do projeto, Mauro havia compreendido o que era cultura profundamente.

 

Considera que o Jamac cumpriu seus objetivos iniciais? Mônica responde que sim, houve muito agito cultural, muitas pessoas se envolveram, realmente muitas coisas aconteceram e muitos dos objetivos foram alcançados nestes 11, 12 anos de atuação no Jardim Miriam. Muitas parcerias, com os Trakitanas e o coletivo Contrafilé, E o que ela veio fazer aqui, considera que fez, é uma espécie de “residência artística sem fim”. Afirma que é evidente que o paredes pinturas é o seu trabalho, mas é um trabalho estruturado a partir da colaboração com o outro, com a participação das pessoas. Com isso aproximou-se de pessoas que não tinham contato com o universo da arte. Considera que o Jamac é um atelier aberto ao público da comunidade. Hoje tem bem claro de que o papel da arte é criar redes de sociabilidade para o Brasil, para emancipar as pessoas.

 

E sobre os planos para o futuro? Acontece que com o tempo as pessoas foram desgrudando, e ela relata também que gostaria de “desgrudar”, que também precisa mudar e realizar outros planos na sua vida pessoal. Conta que o estágio atual é de conseguir montar uma estrutura para que o Jamac possa se tornar independente da presença dela. Estão em um tempo de formação desta estrutura. Hoje o foco é a formação de “Serigrafeiros”, que possam assumir, que consigam fazer a arte. Eles tem um equipamento profissional, de alta qualidade, que foi adquirido ao longo dos projetos de financiamento do espaço, considera que é um equipamento que precisa funcionar para gerar renda para o pessoal da comunidade. “Queremos que o Jamac seja uma escola de serigrafia, boa, de qualidade mesmo, e que se sustente com a produção de tecido e de papel” finaliza Mônica.

Parede Pintura, feita colaboraivamente por Monica Nador e comunidade do Jardim Miriam

Sede do Jamac

Frame de gravação de uma das edições do Café Filosófico, na imagem Mauro e Mônica.

Estampa em tecido, feita colaboraivamente por Monica Nador e comunidade do Jardim Miriam

Menino desenhando para criação de estêncil

Oficina de estêncil, oferecida pelo JAMAC

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